quarta-feira, 29 de junho de 2011

A grande filha.

"Justamente a mim, me coube ser eu."
É essa frase que o Quino cedeu a sua Mafalda e que me foi relembrada há alguns dias por uma amiga muito sensível, que melhor define Anita Prestes pra mim. Não deve ser fácil ser ela. Nascer em Campo de Concentração, ter a mãe assassinada, só conhecer o pai aos 9 anos e herdar toda a ideologia comunista de um país. Não pode ser fácil.
Fui sua aluna no segundo semestre de 2005, exatamente seis meses antes de ela se aposentar. Me lembro dela sentada sempre na mesma posição, do tom de voz que não se alterava e dos eventuais brincos coloridos que se destacavam das roupas discretas. Os olhos azuis consternados, os poucos sorrisos, textos e mais textos. Era dura nas correções de prova, assinalava as frases desconexas e escrevia: "Consideração débil." ao lado.
Passaram-se seis anos (!) e hoje a entrevistei para o projeto de História Oral da Anistia em que trabalho. O mesmo blush impecável, a fala clara e rápida e a disponibilidade enorme para carregar em si tudo o que está acabando. Lúcida, Anita me faz querer ser marxista. Gostaria de abraçá-la.
Formada em Quimica, foi estudar História porque queria guardar a memória do pai.. Disse que sempre preferiu voltar do que partir do Brasil.
Ia pra casa de metrô a filha de Olga Benário e Luis Carlos Prestes. 
É uma pérola.

Pra não morrer na praia.

Há uns dois anos atrás eu sofri tanto por amor que decidi procurar uma psicóloga. Fui num desses institutos onde a gente preenche uma super ficha e eles te encaminham pra um profissional, aí lá você diz quanto pode pagar e ele, por alguma razão que eu desconheço, concorda em te atender por aquela quantia, na maior parte das vezes, irrisória.
A moça que me atendeu era novinha e usava tênis. Parecia muito nervosa e era gaga. Depois de eu dizer a ela que ele tinha me deixado há dois meses e que eu estava quase morrendo, a coitadinha perguntou se nós ainda nos víamos e eu pensei: Ela não entendeu NADA. Nunca mais voltei lá.
Decidi então procurar um pai de santo. Fui, numa segunda feira a noite, no Centro de Umbanda que uma grande amiga, solidária a minha dor, frequenta. Lá, depois de ouvir todas aquelas músicas, tirei meus sapatos e me sentei na frente do homem, que era negro e devia ter uns 40 anos. Ele me perguntou o que estava acontecendo e eu contei de forma que um preto velho do século XIX entendesse. Pensei que dificilmente o espirito entenderia o que são e-mails ou mensagens de celular, pois qual não foi a minha surpresa quando ele perguntou: "Mas vassuncê num ligou pra ele?" Não tinha ligado. Morria me medo de ouvir o não que já tinha sido dado sem palavras.
Foi então que decidi fazer um segundo furo na orelha e alisar o cabelo. Nada, a dor não diminuiu. Me enchi de roupas, tentei emagrecer, fui a Ilha Grande e nem assim o esquecia. Beijei outros, fui a festas, mudei de emprego, namorei um engenheiro (!) e lá estava ele, todos os dias latejando em mim.
Faz bem pouco tempo que eu o superei. Acomodei a dor e segui. Não tenho obtido sucesso em minhas novas investidas, mas entendi que a felicidade não estava com ele. Consigo admitir que é um homem de talento e nem lhe desejo mal.
Entretanto, evito os encontros.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Quase nenhuma culpa.

A amiga que faz fofoca da outra quando na verdade a errada é ela;
O ex-namorado que reconstruiu a vida com a namorada anterior a mim, os outros que se casaram;
Chocolate na solidão do quarto;
Dias em casa, praia que não é possível, preguiça.
Mensagem de colega antiga dizendo que quando leu o nome de fulano de tal se lembrou de mim. Eu não esqueci fulano de tal.
Atrasos, noites tristes; criticas necessárias, perdas;
Escolhas erradas, amor errado, palavra errada.
Inveja e dinheiro a toa.
Tenho isso tudo.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

A habilidade não vence o talento.

Há pouco tempo minha irmã me disse que o Bruno Medina, tecladista do Los Hermanos que virou publicitário, escreveu em seu blog sobre o show do U2 ter pouca graça por se propor a ser um espetáculo sem erros. Não só o U2, mas os Rolling Stones e o próprio Paul McCartney prolongam seus dias proporcionando aos fãs, momentos de emoção guiada: Agora vocês riem, agora vocês dançam, agora os casais se beijam, etc. O talento mesmo, o auge, isso acabou. O que permanece é a habilidade em encaixar letras plausiveis com músicas cheias de instrumentos bem tocados, além dos sucessos antigos, do tempo em que eram sensacionais.
Chico Buarque, o grande ídolo do Brasil politizado, sofre, ao meu ver, do mesmo mal. Faz tempo que não compõe nada desconsertante. Seus últimos discos são sensíveis e previsíveis. Tem samba, amor e um quê de sensualidade. "Cecília" é a única música de "As cidades" que me emociona (sim, pode ser porque leva o meu nome), mas afirmo que pra mim se tornaram escassos os aforismos do homem que tem os olhos azuis mais convidativos do Brasil.
"Lá tem Jesus que está de costas", frase de "Suburbios", do último disco "Carioca" me parece ser, assim como Cecília, a salvação da obra. E vejam bem, eu tenho esses dois cds, gosto deles, os ouvi incessantemente e fui, inclusive, a dois shows do mais recente. No entanto, acho sim que a qualidade ali é produto de muito trabalho e pouca inspiração. Chico parece compor porque as contingências pedem. Já seus romances...explodem talento, inspiração e aforismos. "Leite derramado" me emocionou deveras.
Admiro Chico Buarque por sua discrição e sou grata a ele por ter dado sua cara a tapa pelo PT tantas vezes. Minha opinião é de que Dilma só saiu a frente de Serra na última eleição, depois do ato de artistas e intelectuais organizado por ele. Não é a toa que sua irmã se tornou ministra da cultura (não, não acho que ela esteja fazendo um bom trabalho).
Caetano Veloso, porém, apesar das recorrentes declarações equivocadas que dá, esbanja talento musical. Sua carreira retorna ao auge com bastante facilidade. "Zil e Zie" é cheia de instrumentos e inovações, mas é, principalmente, um compliado de letras acertadas e destemidas.
O show de Caetano também é cheio de sucessos antigos e tem alguns momentos over, mas surpreende.
Só li um livro seu, "Verdade tropical", que foi definitivo pra mim. Confesso que gosto um pouquinho mais dele.

terça-feira, 21 de junho de 2011

"que comam brioches"

O homem, Inácio Avelar, é professor de História. Dá aula em cursinhos pré-vestibulares. Quem não se apaixonou pelo professor de História do cursinho que jogue a primeira pedra (eu até hoje não consigo olhar uma dessas paixonites nos olhos quando o encontro na rua de tanta vergonha que sinto do enorme amor que sentia). Tem olhos azuis, voz mansa e cor de galã da Califórnia.
A mulher, Nathália, é casada com homem rico. Brigitte Bardot de Ipanema, filhos criados, vida sem sentido. Corte de cabelo moderno e empregados. Mentiras e mais mentiras.
Se apaixonaram quando a filha dela foi aluna dele. Nunca as futilidades de uma mulher o incomodaram tão pouco. Nunca o proletáriado a deixou tão feliz.
São personagens de Gilberto Braga e os anos eram rebeldes.
Enquanto ele estava viajando, ela reformou seu quarto. Quando voltou, ao ver a cama, os lençós, cortinas e armários novos, perguntou onde estavam suas coisas.
Tinham sido dados de presente.
Não disfarçou sua insatisfação e explicou a amante que não queria se sentir sustentado por ela.
Sua resposta foi que se não tivesse redecorado o cômodo que os abrigava, teria enlouquecido e que aquilo tudo tinha custado pouco, "o preço de dois ou três vestidos".
Os olhos azuis dele relevaram, cheios de desejo, a pouca, quase nenhuma, consciência de classe da mulher e ele disse: "Preciso te ensinar sobre a Revolução Francesa o mais rápido possível. Maria Antonieta!"
E se jogaram no colchão aos beijos.
Que coisa bonita!

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Deus não, Woody Allen.

Um dos desenhos animados mais importantes da minha infância foi "Cavalo de fogo", exibido pelo SBT nos anos 1990. Era a história de Sara, menina orfã de mãe, que vivia com o pai, o irmão e um cavalo encantado. Sua mãe teria sido rainha em um mundo paralelo, Darchan, dominado pela bruxa Diabolique, que apenas Sara era capaz de deter. Toda vez que a malvada aprontava, o cavalo a levava a Darchan. Lá, Sara era princesa, amada por todos. Mesmo nos momentos difíceis, não enfraquecia. Por mais ardilosas que fossem as artimanhas de Diabolique, Sara sempre vencia. Difícil pra ela era a hora de ir embora. Sofria a princesa, sofria eu. A vida normal de Sara não chegava aos pés de Darchan.
Pois Woody Allen entendeu muito bem essa sensação de conforto que só é possível na vida paralela e construiu em seu novo filme, "Meia noite em Paris", uma Darchan para adultos. Quantas vezes não nos perguntamos se Deus nos daria uma oportunidade para nos encontrarmos com os autores que nos entendem? Tantos são os momentos em que tudo estaria resolvido se aquele poeta estivesse lá, ou se pudéssemos deitar no colo no cantor que embalou os amores da adolescência. Deus, querido leitor, nada pode fazer em relação a isso. Já Woody Allen, demonstrou ter sim esse poder.
Um dos primeiros diálogos do filme é sobre a nostalgia ser a dificuldade de lidar com o presente. Ao protagonista, nostalgico e estagnado, é oferecida a possibilidade de visitar a Idade do Ouro que seu inconsciente escolheu: Os anos 20. Lá encontra seus ídolos, dissolve a inércia e se apaixona por uma mulher que ama os anos 10. E sua estada com ela na Belle epoque, o faz perceber que naquele tempo todos queriam ter vivido no Renascimento.
Assistindo esse filme pensei que Woody Allen não pode morrer. Não conheço diretor tão produtivo e inesgotável. A princesa Sara que existe em mim não queria ir embora da Paris dos anos 20, nem do cinema.
O personagem não mata seus monstros nesse filme, apenas os abandona. Eu e a princesa Sara também.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Os mediocres não perdoam.

Hoje eu fui ao Leblon entrevistar uma professora universitária que foi perseguida pela Ditadura militar. Fomos eu, uma colega que como eu, trabalha nesse projeto e é professora, e alguns bolsistas de graduação. Eu e a colega, inevitavelmente, conversamos muito sobre a greve. Ela é do sindicato, acredita na Revolução, fez a dissertação de mestrado sobre luta armada e tal. Eu, vocês sabem, sou o ícone da esquerda festiva.
Depois da entrevista fomos lanchar no Shoping Leblon. Não posso dizer que estranho o ambiente, não minto, adoro sofisticação, comidinhas fru fru e lojas caras. Mas existe sim um ar hostil naquele emaranhado de gente bonita. Comemos, rimos, tomamos Ovomaltine, tiramos foto com o Fred do Fluminense, que estava na filha do Bob's e quando estávamos indo embora, vimos um tumulto na Livraria da Travessa. Andamos até lá e procuramos a causa da aglomeração.
Era o Sérgio Cabral.
Quantas vezes eu pensei que se um dia tivesse oportunidade, falaria pra ele sobre as minhas insatisfações, afinal, votei nele em 2006, é justo que eu possa opinar. Gosto do Sérgio Cabral, vejo muitas qualidades no governo dele e só não repeti meu voto em 2010 porque já era professora e, justamente, com a minha classe, ele deixou que o descaso prevalescesse.
Hoje, quando o vi, diante de toda aquela gente chique, dos jornalistas e da meninas, pensei: "É a hora." Minha colega sindicalizada disse: "Vamos gritar!" e eu morri de vergonha. Fiquei vendo ela falando coisas enquanto minha voz não saía. Mas não me acovardei, era a oportunidade.
Vi o governador e sua redoma de seguranças se afastarem, cheguei bem perto e falei:

"Eu ganho 681 reais, governador! Os professores estão em greve. Eu estou em greve."

Ele nos ignorou. Os repórteres que o entrevistavam também. Gritei para surdos. Uma jornalista veio me perguntar se eu era bombeira e quando eu disse que não, desistiu de me entrevistar. Fui embora me sentindo lixo.
Na escada rolante, descendo, vimos Marcelo Freixo, nosso redentor, subindo, provavelmente para o mesmo lançamento de livro, ao lado de uma mulher linda, ambos pertencentes aquele simulacro de Brasil feliz. Marcelo Freixo se faz ouvir, eu não.
E no caminho até o ponto de ônibus tudo o que eu sentia era vergonha e raiva. As meninas falavam, falavam e eu nem ouvia. Pensava que gosto dali, que achava que fazia parte e que nunca mais queria me sentir tão merda na vida. Murro em ponta de faca infernal esse.
Já dentro do ônibus recebi a mensagem de uma das bolsistas que dizia: "Tive que voltar ao shoping e vi que tinham seguranças atrás de nós. Fomos subversivas!". Sorri me sentindo menos desimportante, mas não me sinto aliviada.
Acho que escolhi o lado errado.

"eu queria que o mundo fosse outro"

Foi em 2001 que uma amiga da escola me emprestou o cd com a trilha sonora de "Anos rebeldes". Por meses foi a trilha sonora da minha vida. A minissérie, no entanto, não tinha assistido porque em 1992, quando foi exibida, eu só tinha 7 aninhos.
"Baby", do Caetano, na voz da  Gal Costa com aquele violino lindo de início, era a música que mais me emocionava no cd. É "Baby" uma das músicas que mais me emocionam no mundo. E hoje, na reprise do folhetim sobre a Ditadura, numa cena em que o engajado João Alfredo percebe que se continuar a só ver panfletos e manifestos à sua frente, perderá a doce e cautelosa Maria Lúcia, foi essa música que tocou.
E é exatamente isso o que a faz tão bonita: A vida é muito maior do que as lutas políticas. A Carolina, a margarina e a gasolina, aprender inglês e viver na melhor cidade da América do Sul são o motor da felicidade. O futuro do mundo é muito menos importante do que o nosso presente.
Hoje tomei café com um amigo. Pedi água, chocolate, sanduiche, olhei livros... Como fui feliz!
Levantar bandeiras é muito chato, eu se pudesse escolher, já falei, me ocuparia de nascer e morrer para todo o sempre, mas as vezes as canções iluminadas de sol tocam o coração e, voilà, a gente entra na briga.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

O produto e o meio.

Hoje eu tava no curso de inglês e o tópico para discussão era "nature ou nurture?" (natureza ou criação) e nós tinhamos que conversar sobre o que mais nos influenciou durante toda a vida e eu parei pra pensar que não sei o que me fez ser outsider porque eu sou tijucana, estudei em escola católica e todos os meus amigos foram ganhar milhões. Meus pais são dentistas e nas novelas as pessoas são magras. Não sei bem o que eu estou tentando negar e sei menos ainda pra onde eu vou. Tenho um grande amigo com quem converso muito sobre essas questões e ele está desiludido. Vejo com pesar e compaixão a sublimação que ele, sempre transgressor, está tendo que se impor, mas por valentia ou covardia nem me passa pela cabeça seguir os mesmos passos. Fico até o fim do sonho, já falei.
Conheci o blog da Patricia A. no início desse ano e, nossa, tem feito muita diferença na minha vida. É tipo um livro bom o que ela escreve. E nesse post ela fala sobre os trajetos errados que nós percorremos por anos e eu fico pensando que, como ela, fui estudar História porque queria ser o suprassumo da sabedoria, mas tudo o que descobri nesse caminho foi que gosto de vulgaridade e fofoca. Essa realidade com a qual eu lido todos os dias, a verdade que eu ensino todos os dias, é cheia de licenças poéticas que eu permito porque senão acho tudo um saco.
E aí depois de sair da aula de inglês, peguei o metrô e quando tava na plataforma vi dois meninos que estudaram comigo no segundo grau e que me zoavam o tempo inteiro, eram cuéis, maus e desrespeitosos. Eles estavam a menos de 50 metros de mim, no metrô da Carioca, um de terno e o outro de roupa social, conversando felizes, impunes por todo o mal que me causaram. E quem desviou o olhar fui eu. Tenho orgulho de não ser mediocre como eles, de nunca ter sido mediocre como eles, mas morro de medo dos dois.
Passei o dia explicando aos meus alunos sobre essa greve e sobre esse salário irrisório que eu ganho e cheguei a ouvir de um menino que é filho de pastor que ainda ganho muito. E acho esse conflito tão nobre e tão ingênuo que acabo não conseguindo superar.
No sábado fui com dois amigos na Travessa do CCBB e quis comprar três livros e dois DVDs, mas não tinha dinheiro. Pensei em roubar, mas me lembrei que Jesus disse: "Dai a Cesar o que é de Cesar" e me dei conta de que sou sim um pouco produto da minha criação cristã. Aí deixei tudo lá e tentei acreditar que um dia haverá recompensa.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

água mole em pedra dura

Quando eu tinha lá meus 15, 16 anos queria cantar minhas canções iluminadas de sol e soltar os tigres e os leões nos quintais. Hoje, com 26, sou a pessoa da sala de jantar.
A solidão é antiga, mas os conflitos são novos: Como entrar em greve se eu gosto tanto da diretora da minha escola e da maioria dos meus alunos? Como interromper as aulas do terceiro ano se o ENEM é em outubro? Como deixar esfriar o conteúdo que eu me esforço tanto pra fazer eles entenderem?
Mas como não entrar em greve se o salário é de irremediáveis 681 reais? Como não se revoltar com a recomendação dissimulada de que nós não podemos reprovar? É impossivel não me questionar sobre a inutilidade dos computadores que o Sérgio Cabral mandou colocar nas salas de aula e que custaram milhões, enquanto pra mim é só prejuizo. Ter reuniões aos sábados, preencher diários online e no papel, criar planejamentos e projetos é sim o trabalho do professor, mas há que se ter uma recompensa.
Na minha escola, no entanto, ninguém vai entrar em greve. A sala dos professores é um muro das lamentações, mas todo mundo fica com o bumbum apertadinho só de pensar em ser descontado ou em se indispor com a diretora, inclusive eu.
Vivemos na era da covardia. Liguei para o meu pai e expliquei a situação. Ele disse: "Você não precisa se queimar, tem gente que pode fazer isso por você." Meu pai, que nunca perdoou o Gabeira por ter votado a favor da privatização da Vale, que não pode ver o Alexandre Garcia e o Jabor que enche a boca pra dizer que eles puxavam saco da Ditadura, ouvi isso dele. É duro.
Preciso confessar a vocês, não sei se tenho disponibilidade pra a essa altura da minha vida, já adulta pra dar murros em ponta de faca. Mas sei também que ser o tal bom cabrito que não berra, que aconselhou meu pai não é a melhor atitude.
Água mole em pedra dura tanto bate até que fura, eu sei, mas como é difícil!

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Pai e mãe.

Quando eu era criança era minha mãe quem me levava à escola. Também era ela que ia ao supermercado. Nos finais de semana quem ia comigo e com minha irmã, ao teatro e ao cinema, era ela. Nas viagens pra Iguaba Grande no verão era minha mãe quem dirigia o carro.
Meu pai só aprendeu a dirigir depois que se separou. Fui apenas uma vez ao cinema com ele, embora tenha vindo de sua parte os primeiros incentivo cinematográficos, quando pegava filmes pra eu assistir nos finais de semana. Meu pai me deu livros, contou histórias e por muitas vezes me ouviu chorar com paciência, coisa rara em minha mãe.
Houve um dia que eu cheguei no quarto deles e vi minha mãe chorando enquanto lia "Olga" do Fernando Moraes. Perguntei o por quê do choro e ela respondeu que na história tinham matado a moça. Quis saber a razão e ela disse que o motivo era a Olga querer um mundo onde todos fossem iguais. Minha mãe é sensivel.
Vem dela o meu gosto musical, Legião Urbana e Pink Floyd eu conheci pelas suas mãos.
É da minha mãe a mania de ouvir rádio e dela eu trago a frase "Não dê bom dia a cavalo".
Meu pai já diz que não se deve dar "pérolas aos porcos" e que "o bom cabrito não berra".
Por conta da inércia do meu pai admiro homens que dirigem.
De minha mãe herdei o desejo de não conduzir nenhum homem a lugar nenhum e de chorar sozinha no quarto a noite.
Somos eu, meu pai e minha mãe de peixes.
Eles dois detestam novela.

O muro que eu não pulei.

Minha aluna pulou o muro da escola pra encontrar um rapazinho que estava de moto do lado de fora enquanto eu dava aula sobre a Primeira Guerra Mundial. Estava lá explicando sobre os sentimentos nacionalistas serem uma construção quando a diretora entrou na sala e avisou a turma que a aluna estava suspensa. Senti pena da menina. Desejei que nada daquilo tivesse acontecido, movida pelo que resta de romantismo adolescente em mim. Quis de verdade que a aventura da mocinha tivesse sido bem sucedida.
E continuei falando sobre a Triplice Aliança e a Triplice Entente, me esforçando para tornar palatável o pan-eslavismo e o pan-germanismo.
Eram quatro e vinte da tarde quando eu saí da escola me perguntando se deveria ser menos flexivel. Rapidamente abandonei as reflexões sobre o trabalho e pensei no perfume que quero comprar e no chocolate que comeria antes da aula de inglês que começaria as sete. Cochilei no ônibus e quando abri os olhos já tinha anoitecido. Na aula fiz dupla com um rapaz que é engenheiro,divorciado e tem um filho. Voltei pra casa com certeza de que filhos não são pra mim. Quando estava na esquina da minha rua uma música muito boa tocou no rádio baixo do meu celular. Dancei e cantei alto até chegar no meu prédio. Subi no elevador fingindo que sou rock star.
Já de banho tomado sentei pra ver um dos últimos capítulos da odisséia de Maria de Fátima e dormi fingindo que as minhas aventuras amorosas têm final feliz e que há alguém disposto a me dar as mãos.
Hoje me ocupei de nascer e morrer e soube, agora a noite, que o sindicato dos professores decidiu por entrar em greve. Pensei na aluna que pulou o muro, na guerra, no perfume e no dia dos namorados vazio que me espera. Não sei o que fazer.

domingo, 5 de junho de 2011

Um pecado a mais.

Meus pecados:

1 - Há pouco tempo saí de um restaurante sem pagar.

2 - Já deixei de sair com vários caras porque eles não tem grana e eu associo sim dinheiro a poder porque namorei um rapaz paupérrimo e quem pagava o motel era eu, o que me desagradava deveras.

3 - Contei pra todo mundo que o desempenho sexual desse e daquele rapaz não era lá essas coisas.

4 - Gasto com restaurantes e com a Kopenhague o que deveria gastar em livros.

5 - Gasto em roupas o que deveria gastar pagando o que devo a Mastercard.

6 - Adoro falar de autores que não li.

Meu perdão:

1 - Não cobiço homens alheios e não destruo famílias em nenhuma hipótese.

2 - Não decepciono amigas.

3 - Confesso meus pecados quase todos.

4 - Encontro sofisticação em quase tudo o que não presta.