quinta-feira, 28 de julho de 2011

Cinco minutos em Paris.

Madureira, três da tarde. Julho. Se chove ou faz sol, não importa, sempre há mais poeira na rua. Gente de um lado, gente do outro, gente a frente e atrás. Lixo na calçada e nos postes. Cachorros, gatos e homens perto dos restos de vidas pequenas. Lojas de mau gosto, camelôs, sandálias de plástico, verduras passadas e sorvete duvidoso. Lá estou eu.
Recebo uma ligação que oferece uma viagem longa para Paris. "Sim, eu vou, mas é claro". Corro com o passaporte, tiro o visto, provo minhas habilidades com o francês para garantir aos responsáveis que sou capaz de me entender com os nativos, separo as melhores roupas, compro as que são necessárias e, cautelosamente, conto para apenas alguns amigos. Antes de entrar no avião, sou avisada, no entanto, de que poderei passar apenas cinco minutos na capital francesa, com a qual tanto sonhei a vida inteira, especialmente nas últimas noites.
Decido ir porque penso que pior do que ter que voltar brevemente a Madureira, ou que mais triste do que permanecer para sempre lá, é nunca ter conhecido Paris. Mas ah, que dor no coração!

sábado, 23 de julho de 2011

Amy

Quando Cássia Eller morreu, eu tinha 16 anos. Era aquela semana entre Natal e ano novo e eu estava em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, visitando minha família que mora lá. Cheguei na casa da minha avó e vi, num daqueles plantões que Cássia, doce Cássia, tinha nos deixado. Me senti orfã daquela voz de mulher que ama, dos seios lindos que ela exibiu no Rock in Rio, da coragem e do talento. Minha dor foi subitamente substituída pela raiva do pastor da igreja que minhas tias frequentam, que durante o culto (quando eu vou lá, faço questão de participar da vida deles integralmente e por isso vou ao culto) disse que ela tinha procurado tudo isso.
Não uso drogas, nunca usei, mas acredito que isso não me diga respeito. Cássia Eller era uma mulher inteira e faz uma falta enorme até hoje. Se usava drogas, se morreu por causa delas, não me importa. Espero apenas que ela tenha sido feliz.
No momento da morte de Renato Russo, em 1996, eu estava no meu quarto ouvindo rádio. Eram férias de julho e meus amigos tinham viajado para o parque do Beto Carreiro, em Santa Catarina. O locutor anunciou a notícia e eu fiquei ali parada pensando na merda que estava acontecendo. Nessa época eu já tinha me apoderado do "Quatro estações" da minha mãe e o clipe de "strani amori" frequentemente alcançava o primeiro lugar do Disk MTV. De noite, lembro de ter deitado na cama e chorado.
Amy Waynehouse também me deixa nas férias de julho, com apenas um ano a mais do que eu. Queria eu ser grande como ela. Vejo essas reportagens que dizem que ela deveria ter sido ajudada e que precisava de tratamento e só tenho a lamentar. Me sinto como quando o pastor ignorante atropelou a minha dor. Acho que não enternderam nada. Quem somos e o que sabemos para falar sobre o que ela precisava ou sentia? Nós conseguimos deixar pra trás nossos vícios? Somos todos fortes? Damos a volta por cima e encaramos nossos medos? Ou apenas tivemos mais sorte e trazemos conosco dificuldades e manias menos destrutivas?
We are all in black now. She went back to blue.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

As pedras e você.

Nunca tinha entendido a frase inícial a música "Vinte e nove", que é a primeira do álbum "O descobrimento do Brasil" do Legião Urbana. Foi então que na terça feira, indo pra análise, comecei a ouvir Legião, em pé no metrô, por estar com raiva do mundo. Conheço essa música desde os 12 ou 13 anos e não me dei conta em nenhum momento do que esses versos querem dizer.
" Perdi vinte em vinte e nove amizades
 por conta de uma pedra em minhas mãos."
Sempre imaginei a pessoa com a pedra nas mãos, sem poder estende-lá ao amigo. Pra mim era isso. Foi então que, nessa manhã, compreendi que a metáfora é maior. Renato Russo leu a Biblia, usa citações sagradas em Monte Castelo" e em " Se fiquei esperando meu amor passar". Há outras vezes que Jesus aparece em suas letras, até, mas em "Vinte e nove" a coisa é mais sutil. A pedra nas mãos é a mesma que é atirada por quem julga não ter pecado.
Fiquei, naquele momento, pensando em todas as pedras que tenho nas mãos e nas que já me foram jogadas também. Fui andando pelo Largo do Machado, rumo a cura das doenças que essas pedras me causaram, parei no banco e quando estava sacando dinheiro, começou a tocar "La nueva giuventú", exatamente naquela parte que diz "Com você por perto eu gostava mais de mim". Essa eu já entendi faz tempo.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

O último capítulo de Vale tudo.

Gilberto Braga certamente entende a música dos Beatles que diz "Get back to where you once belonged". Suas obras costumam levar os personagens ao encontro das próprias origens. Ontem, no último capítulo da reprise de Vale Tudo, isso ficou bem claro. Mas não foram só as histórias braguianas que fizeram esse retorno, o telespectador também participou do processo.
A novela, que começou com a festinha cafona de 21 anos de Maria de Fátima, terminou com a comemoração, também de pouco bom gosto, de dois anos de seu filho, Rafael. Em ambas, os olhos de sogra e o parabéns pra você faziam Fátima se dar conta que não queria aquele tipo de vida. No primeiro e no último capítulo, foi esse momento tão brasileiro, que fez a moça repensar suas circunstâncias e decidir por modifica-las, honestamente ou não.
E no principio dessa busca pela redenção, Fátima se hospedou no Copacabana Palace para impressionar o cafajeste por quem tinha se apaixonado, e que depois descobriu que era tão feito de invenções quanto ela.
Pois terminaram os dois no Copacabana Palace, felizes, vivendo junto a um principe italiano gay, outra mentira.
Raquel, mãe de Maria de Fátima, que a perdoou ao se lembrar do primeiro dia da filha na escola, "entrou séria, enquanto todas as outras crianças choravam", no início teve que vender sanduiche na praia pra sobreviver. No capítulo derradeiro, ela vai ao calçadão do Arpoador, compra sorvete num ambulante e some com seu amor, Ivan, pela multidão. Assim Vale Tudo termina. A música que tocava era "Isto aqui o que é" na voz do Caetano, no começo e no fim.
Nunca entendi tanto Maria de Fátima.
Nunca gostei tanto de Raquel.
Que saudade vou sentir.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

O penúltimo capítulo.

O avião que levou Cesar Ribeiro pra bem longe era um jatinho simples, que saiu de um canto bagunçado do aeroporto Santos Dumont. A imagem o acompanhou da hora em que Cesar entrou na aeronave, até muito tempo durante o vôo. Passaram as Barcas e o Pão de açúcar. A música era: "Brasil", na voz de Gal Costa.
Em seguida vieram as cenas do próximo, e último, capitulo, dessa novela de poucas tomadas externas, e a banana do Marco Aurélio nem precisou acontecer. Seus empregados já foram presos. Ele nunca será.

Grande pátria desimportante, eu todos os dias te traio
Fujo a luta, estou cansada.
Terra adorada que não salvei,
a peleja é dura
e o povo aqui nunca quis ser herói.
De que adianta ser gigante
se são tão poucas as nossas glórias?
A clava não se ergue para a justiça dos que estão na porta estacionando os carros.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Aquilo em que estamos loucos para acreditar.

Norma cairá do cavalo. Pouco vejo "Insensato coração", mas me interesso, como todo mundo, pela vingança vã de Norma, personagem mais uma vez interpretada de forma acertada por Glória Pires. Ela, que é mulher normal, se deixou enganar pelos olhos azuis de Leo, que é homem filho da puta. Por causa dele, foi presa, perdeu a dignidade e a candura. Fez, aconteceu e naquele tempo próprio das novelas, deu a volta por cima. Quis ter Leo em suas mãos, o humilhou e escravizou. Por que?
Porque o ama.
Um dia Norma pediu a um empregado para que sondasse o que Leo achava dela, agora que está rica e poderosa. Leo disse ao rapaz que foi em suas mãos que a patroa aprendeu a gostar de sexo. Ao saber disso, ficou visivelmente incomodada. Tenho a impressão de que em absolutamente nenhum momento essa moça escondeu sua paixão de si mesma e se novamente ele dissesse que a ama, de novo ela acreditaria.
Norma é louca pra acreditar que os olhos azuis de Leo podem ser seus, por mais impossível que isso pareça.
Ela é como Odete Roitman, que ao se apaixonar por Cesar Ribeiro, se esqueceu do bom senso. No diálogo de despedida desse, que é o meu casal preferido de todas as novelas, Cesar diz a Odete, enquanto ela chora na parede, que fez "das tripas coração" para fazê-la acreditar naquilo que ela estava louca pra que fosse verdade.
"Eu não sou uma pele bonita, não sou os meus vinte anos. Eu sou Odete Roitman e isso ninguém me tira. Você é um corpo sem nome." foram as palavras que ela disse ao amante, quando viu aguar o bom do amor.
Nenhum dos dois saíram por cima. Norma também não sairá.

sábado, 9 de julho de 2011

O dia que não nasce feliz.

A greve continuou, mas eu não continuei em greve. Não me mantive no movimento por três razões: Não tenho vocação pra levantar bandeiras sozinha, dependo da boa vontade da minha diretora pra muitas coisas e percebi que não teria o apoio dos alunos. Nunca fui tão levada pelas minhas próprias circunstâncias.  Dada essa justificativa, quero falar sobre a última sexta feira.
A semana de provas bimestrais acabou. Ontem seria minha última aula antes das férias e eu estaria no sexto, no oitavo e no nono ano. Pensei que seria interessante levar uma atividade diferente. Minha primeira idéia foi a música do Caetano, "Terra", mas rapidamente me convenci de que eles não iriam gostar. Olhei os DVDs na estante e peguei "Toy Story" para os pequenos e "Cidade de Deus" para os maiores. No caminho, entretanto, pensei que o mais indicado para os meus alunos seria o documentário "Pro dia nascer feliz".
Assisti a esse filme em 2007, quando ainda não dava aula. Me sensibilizei profundamente com as entrevistas que o diretor João Jardim faz com alunos e professores Brasil afora. Revi várias vezes, em todas saí perplexa e emocionada.
Existem outros dois bons filmes sobre escola, "Entre os muros da escola" e "O dia da saia", ambos franceses. Em outro momento, certamente falarei sobre eles e talvez um dia até os passe para alunos, mas agora é o Brasil que me interessa.
Fui a livraria do Paço Imperial e por 45 reais, adquiri o filme, Entrei no ônibus pra Seropédica certa de que tinha gastado (bastante) dinheiro por uma boa causa. Quando cheguei na escola abracei as professoras de quem sou mais amiga, todas elogiaram o meu novo corte de cabelo e nos sentamos, alegres, para almoçar. Tinha batata frita no cardápio e a sobremesa era goiabada, o feijão estava ótimo. Comemos satisfeitas. A diretora, sentada na cabeceira da mesa, participava da conversa e tudo parecia normal. Surgiu então o aviso: Ontem uma inspetora da secretaria de educação (a secretaria tem inspetores, mas as escolas não) foi a nossa escola averiguar qual a razão para os alunos do turno da tarde, no qual eu dou aula, terem tido notas tão baixas no primeiro bimestre. A tal senhora se dirigiu a sala dos professores e ao pergutá-los a respeito do baixo rendimento dos adolescentes em questão, obteve como resposta que o desinteresse é a causa das notas baixas. Era coerente que a agente educadora, então, ouvisse o outro lado. E foi o que ela fez: Entrou numa turma de primeiro ano do Ensino Médio e os indagou sobre o mesmo assunto. O que eles responderam a ela não poderia ter sido mais verdadeiro. Disseram que não entendem o que o professor fala, que nada do que é ensinado se refere ao mundo deles. A inspetora, então, "sugeriu" a direção da escola que orientasse os professores para serem (ainda) menos formais e deu, como, opção de resolução do problema, (mais) atividades de recuperação. 
Diante disso, durante esse almoço agradável, fomos informados de que deveríamos deixar na escola apenas os alunos que precisassem de nota para que eles fizessem alguma atividade que os levasse a média 5,0. Surpresa, eu disse a diretora, que tinha acabado de comprar o DVD e queria exibi-lo. Acordamos, então, que o exercício de recuperação seria sobre o filme.
Eram poucos os alunos presentes, tanto que juntei o oitavo e o nono ano. O professor de Geografia levou também o segundo ano do Ensino Médio para o auditório e nem assim todas as cadeiras foram preenchidas. Demoramos cerca de quarenta minutos para conseguir colocar o filme porque o técnico de informática da escola acabou de ser dispensado. O governo do estado rompeu o contrato com a empresa de computação. Não temos inspetores, nem téncicos de informática.
Quando começou o filme, notei que a maioria estava atenta. Em um certo momento, uma menina da periferia paulistana é entrevistada. Ela faz parte da oficina de Literatura, organizada por uma jovem professora. Seus poemas, que só escreve quando está triste, são muito bonitos. Um ano depois, a equipe do filme a procura, Seu trabalho é dobrar calças para uma fábrica. Não escreve mais. Me arrepiei com o depoimento como se o estivesse vendo pela primeira vez. Meus alunos, que estavam todos ali, desprotegidos, arrumadinhos, fazendo bagunça, talvez não tenham entendido a gravidade do desperdício humano que estava sendo mostrado. Na Avenida Brasil, bem próxima a entrada de Seropédica, fica a fábrica da Hermes. São muitos os estudantes que deixam a escola e se tornam operários precoces lá. Imaginei minhas menininhas, tão alegres e namoradeiras, dobrando calças. Tive vontade de trancar a porta e nunca deixá-los sair, para que a crueldade do mundo nunca os devore.
Logo em seguida, o filme vai ao Colégio Santa Cruz, escola privada, no Alto de Pinnheiros, em São Paulo. Lá, em 2004, ano das filmagens, já havia catracas eletrônicas. Ninguém usa uniforme. Não há negros. Os conflitos das alunas são sofisticados: Medicina ou Engenharia, Deus e a sociedade. Todos bem tratados e preparados para a crueldade (?) do mundo. Em um momento, uma menina diz que se sente mal por existirem pessoas pobres, mas é sincera e admite que não deixa de ir a sua aula de natação para lutar por ninguém. Depois, outra, fala que para passar de ano precisou da ajuda dos pais e de professores particulares. Estuda, em casa, cinco horas por dia. Penso que um dia eles farão análise para resolver seus conflitos existenciais. Todas farão caridade e permanecerão bonitas. Somos informados, ao final, que uma das entrevistadas, um ano depois, estava cursando Engenharia na USP. É a ordem natural das coisas, quase sempre são eles que mandam.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Em defesa de Valesca.

Na semana passada, conversado com alguns amigos, falei que acho algumas frases de baixíssimo calão presentes nas músicas da Valesca Popozuda, um grito de liberdade da mulher. Minha amiga sindicalista retrucou dizendo que nós não queimamos os sutians pra que uma mulher coloque 500 ml de silicone na bunda e, sem ser cantora, cante para quem quiser ouvir sobre sua disposição sexual diferenciada, por assim dizer. Fiquei calada diante da incisiva rejeição a Valesca, mas depois pensei muio sobre o assunto e eis aqui as conclusões:
Eu não queimei meus sutians. Eu não quero dominar o mundo. Eu adoro homens protagonistas.
Acho que Valesca, que se prestarmos atenção, é uma mulher de olhar meigo, muda sim o funcionamento das coisas quando afirma seus desejos sexuais e insinua que com ela o sexo não vai ser mais do mesmo, ela faz de tudo. O status quo não é esse. Ainda vivemos num mundo onde a mulher oficial faz sexo comportado e as amantes, se permitem o resto. A música do Mc Dido fala sobre isso, o vídeo da traição em Sorocaba também. Ao homem tudo, à mulher apenas o amor. Mulher não quer experimentar? Mulheres queimaram o sutian para cantar Miltom Nascimento e pronto? Deus me livre!
Valesca fala, em sua canção mais famosa, que queria andar "na linha", mas o homem em questão "não deu valor". Diante dessa constatação, ela decide se vingar indo pra cama com outros, fazendo o que moças de família ainda não perceberam que é bom. Ninguém mandou Valesca aumentar o tamanho de seu derrierre e ela não escreve suas letras indecentes para pertencer. Essa mulher quebra tudo. Vai no Piscinão do Complexo do Alemão, fica de fio dental no programa da Regina Cazé, canta "quero dar" pro Silvio Santos, sai fantasiada de banana na mão do King Kong no Carnaval e entra, toda trabalhada no macacão de strass, gritando "Manuel Bandeira!" no Prêmio anual da MTV - Brasil.
Quem desdenha da inteligência, mesmo que despretenciosa, dela, na minha opinião, não está entendendo nada. Pra mim, depois de queimar os sutians, as mulheres deveriam ser livres e felizes sexualmente, sem aquele papo de Revista Nova, Marrie Claire e Cláudia. Sexo tem que ser vulgar.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Eu nunca.

Eu nunca lanchei no Burguer King
Nunca vi um filme do Pasolini,
nem do George Lucas.
Nunca soube resolver aquela fórmula de delta s sobre delta t
Nunca li José Saramago
Eu nunca fui magra.
Nunca comi moqueca
Nunca fiz arroz
Nunca consegui segurar o choro.
Nunca fumei
Nunca viajei sozinha com um namorado.
Nunca fui a Europa,
nem aos Estados Unidos.
Tenho vinte e seis anos e nunca soube dançar.
Nunca fui boa na Educação Física
Nunca vi uma baleia,
e no meu aniversário nunca teve festa.
Mentira, teve sim. Quando eu fiz oito anos minha avó fez uma super festa, mas meus pais brigaram e se separaram nesse dia.
Não, pra mim nunca teve festa.