quarta-feira, 24 de março de 2010

Metal contra as nuvens.

Quando eu tinha 15 anos e estava no primeiro ano do Segundo Grau, Ensino Médio, whatever, minha professora de quimica se chamava Jussara. Eu não sabia quimica, nunca soube, e um dia a Jussara fez uma piadinha comigo por conta do meu baixo rendimento na matéria. Era a aula imediatamente posterior ao recreio e eu, que estava cagando baldes e mais baldes, para toda aquela merda inútil de hidrocarbonetos, comecei a escrever uma carta pra ela a lápis numa folha de caderno. Na carta eu dizia que não sabia mesmo contar carbonos, que não entendia e nem pretendia entender o que são metais, gases, bases e ácidos, mas que naquela escola católica tijucana de adolescentes futeis que pixavam muros e destruiam os banheiros, que desrespeitavam professores, diretores, Deus e quem mais viesse, que eram ricos e bonitos e que não conehciam nada diferente daquele mundinho deles, mundinho de merda. Naquela escola, eu achava que era mais importante ler jornal, se importar com a Reforma Agrária (eu me importava) e com o futuro do Brasil do que entender como reagiam o enxofre, a água e o ar em contato com o ácido sulfúrico. Me lembro que passei linhas e mais linhas falando de tudo o que eu sabia no alto dos meus 15 anos ingênuos e concluí explicando que, em outras palavras, queria que ela e aquelas substâncias e números todos tomassem no cu.
Entreguei a carta no final da aula. A resposta veio rápido. A Jussara na entrega da prova seguinte, a qual eu teria tirado zero porque não tinha escrevido NADA (em uma questão que falava de metais eu escrevi a letra de "Metal contra as nuvens" do Legião e só), disse que tinha perdido a minha avaliação e que por isso eu tiraria dez. Eu sempre soube que ela não perdeu a minha prova. Houve mães de amigas minhas que foram a escola reclamar do meu dez nada suado. Mas aquela foi a forma da Jussara de me valorizar. E eu agradeço e lembro disso com carinho. Queria que a vida inteira eu pudesse argumentar assim com quem não vê tudo o que eu sou. Queria poder dizer todos os filmes que eu vi, os livros que li, os textos difíceis, as minhas idéias e percepções geniais, o meu inglês desinibido, o bom humor e o bom gosto, as palavras certas e outras infinitas qualidades. Mas infelizmente a Jussara ficou lá no ano 2000. Hoje eu lido com gente mesquinha de verdade, gente que explora mesmo e foda-se. Dizer "Não" é só o que eu posso fazer porque tenho juízo. Não sou escrava de ninguém e nem senhora do meu domínio, mas quando eu for, vou rir dessa porcaria toda, sem carinho. Bando de filhos da puta!

sexta-feira, 12 de março de 2010

O dia dele.

Todos os dias ele toma café antes de sair. Não ouve músicas repetidas, sempre vai de metrô e evita os eventuais conhecidos que encontra pelo caminho. Quando chega lava o rosto. Olha pela janela o movimento dos carros, sente fome, se distrai com um telefonema qualquer e trabalha. Chega a moça de saia preta. Sempre repara no quanto as roupas dela são bem passadas e sóbrias. Trabalha concentrado. Ouve o som ambiente, rádio modernosa, a obra na casa do funcionário ao lado, instruções vãs dadas por um supervisor qualquer a um errante, bom dia bom dia e já são onze e meia. Não come arroz, sente sede quando pede suco e hoje reparou que no prato da moça impecável tinha sushi, feijão e farofa. Volta no sol, sente sono e ri de uma piada qualquer que ouve no elevador. Se surpreende com a morte de um ator de novelas, não vê muita novela, mas se lembra de uma com esse ator. Passou há uns 15 anos, as meninas da escola comentavam. Uma delas se chamava Maria e usava fitinhas de pano amarradas ao tornozelo. Não sabe o que foi feito dela. Da última vez que a viu estava lora e não se falaram. Tomou mais café, respondeu perguntas, escreveu e-mails e atendeu a mãe no telefone. Saiu as seis, olhou o jornal, foi ao cinema e voltou de ônibus. Tomou cerveja com colegas da faculdade. Voltou tarde e feliz. Vou casar com ele.

terça-feira, 2 de março de 2010

Minha manicure não assiste Big Brother.

Toda semana eu faço as unhas no salão. Há dois anos é assim. Minha manicure fez as unhas da minha mãe por muitos anos e agora faz as minhas. Minha mãe deciciu aprender a fazer as próprias unhas, eu não. No início eu ia ao salão durante a semana, depois, por conta do aumento de horas no trabalho, passei a ir aos sábados. Adoro ir ao salão, fico ali entregue a pensar em nada, prestando atenção nas cabelereiras e cabelereiros, nas clientes jovens, nas velhinhas, nas fofocas e na música de rádios Old Times que sempre tocam nesses ambientes.
Alessandra é o nome da minha manicure. Ela é calada e rápida. Só de uns cinco meses pra cá começamos a conversar mais. Do lado dela fica a Denize, que é muito engraçada e conta as melhores histórias. A melhor foi uma sobre o vendedor de bala do ônibus que dava em cima dela. Um dia ele disse que ia chamar ela pra almoçar, que estava comprando um bar e que eles poderiam ir lá. Ela falou que sim, que eles poderiam tomar uma geladinha e tal. Ele disse que não, "mulher minha não toma cerveja".
As duas não assistem televisão, não falam sobre novela, nem sobre Big Brother. Uma é canceriana e a outra leonina. Os cabelos são bem curtos e elas usam brincos pequenos. Os filhos de ambas foram criados pelas avós. Elas são casadas há muito tempo e adoram Carnaval. Trabalham no mesmo lugar há mais de 15 anos. Chegam as nove, não têm hora pra sair.
Minhas unhas estão sempre bonitas. De uns tempos pra cá passei a deixar a Alessandra escolher o esmalte, contanto que seja vermelho. Sempre dá certo.
A Reese Wintherspoon em "Legalmente Loira" diz que manicure é terapia. Talvez não seja pra tanto, mas é um oásis no meu mundinho intelectualóide sem amor.
E eu adoro.