domingo, 8 de maio de 2011

Vale tudo é vintage.

Já faz um tempo que eu venho pensando em escrever sobre Vale tudo, mas por preguiça e medo de cair na obviedade, posterguei essa nobre tarefa. Hoje, no entanto, se tornou inevitável.
Se você não assiste Vale tudo, rogo que não abandone por aqui a leitura, sou boa em contar histórias e garanto que você entenderá tudinho. Se você assiste e sabe o quilate da obra, me convide para um café qualquer dia.
Imagino que mais de mil pessoas já devam ter escrito sobre isso, mas nem ligo, eu só tinha 3 aninhos quando Vale tudo foi exibida pela primeira vez e, agora, com 26, assistindo a reprise, é justo que eu dê minhas impressões.
Vale tudo é a odisséia de Maria de Fátima (Glória Pires, comedida desde aquela época), menina do interior que queria ser rica. Ela vende a casa em que mora com a mãe, Raquel (Regina Duarte acertadamente cafona e passada do ponto), deixa a coitada na rua e usa o dinheiro pra ir atrás, sem nenhum escrupulo, da sua felicidade. A pedra no caminho da Fátima é o segundo diamante da novela, Cesar (Carlos Alberto Ricceli com cheiro de homem), o ex-modelo decadente, de voz doce e ferormônios latentes, que num dos diálogos mais bonitos da trama diz a ela que a coisa mais triste que existe é fim de festa.
Cesar e Fátima unidos alternam esperteza e culpa de forma que um nunca deixe que o outro se arrependa das maldades que planejam jutos. Eles têm jeito de gente boa, gente que dá beijinhos quando encontra na rua, que chora quando sente dor e tem dor de barriga quando come bolo quente. É por isso que convencem.
Fátima consegue se casar com o namorado da amiga lutadora, descolada e honesta, do tipo que calcula sozinha o imposto de renda e que em 1988 já comia comida japonesa: Solange Suprat (Lidia Brondi coquete). A ruivinha confiou na cara de boa moça da Fátima e no olhar consternado do Cesar e, com o perdão da expressão, se fudeu de verde e amarelo.
O namorado da Solange, que vira marido da Fátima é Afonso Roitman (Cássio Gabus Mendes honesto), rapazinho de caráter, que faz lembrar aquele rico bacana que foi da sua turma na faculdade e que quando teve o casamento do colega da Vila da Penha, não só compareceu, como levou presente. Afonso é imaturo para o amor, mimado e temperamental. Grita com uma facilidade irritante e odeia ostentação. Se casa com Maria de Fátima porque acredita na simplicidade, no sorriso puro e na carinha de esposa que ela tem.
Nada disso teria acontecido se não fosse o diamante número um da novela, Odete Roitman (Beatriz Segall grandiosa), o gênio de olhos azuis. Odete me lembra um pouco uma orientadora que eu tive na graduação que também ia muito a França e tinha olhos azuis enormes. São incontáveis os acertos na construção do personagem: É o tom agudo que ela acrescenta ao final de cada palavra, a simpatia cocomitante a arrogância, o apreço pelo trabalho em paralelo com a desonestidade e as tiradas mal humoradas sobre o Brasil. Odete é tão forte que para fazer a novela andar a contragosto da vontade dela, Gilberto Braga precisou matá-la. O calcanhar de aquiles de Odete são os jovens rapazes bonitos. Depois de patrocinar o casamento do filho com Maria de Fátima, ela se apaixona justamente pelo amado da nora e protagoniza com ele os melhores momentos da novela na minha opinião.
Pra mim, uma das melhores cenas da Fátima com o Cesar acontece num dia em que os dois estão no apartamento dele a tarde, cada um em um sofá, cada um lendo uma revista. Ela gosta tanto dele que vai passar a tarde com ele pra ler revista, tamanhos são a paz e o conforto que sente com a presença do amante. Isso é amor maciço, coisa pura.
Já com Odete são os diálogos que me emocionam. Cesar diz a ela, quando se conhecem, que, como ela, adora uma baixaria. Caríssimo leitor, ele está falando de baixaria pra Odete Roitman, não tem Valeska Popozuda na jogada. As palavras dos dois transbordam tesão. Os olhares excitados me deixam intrigada. É um homem de 35 anos com uma mulher de 60. É um homem falcatrua com uma mulher dessas que saem na lista dos dez mais da Forbes. Baixaria não é coisa pra principiantes.
No diálogo em que os dois se beijam ela pergunta e ele em que pode ajudá-lo e quer saber se ele quer voltar a trabalhar na empresa dela. A resposta do cafajeste não sai da minha cabeça. Ele diz: "Não, Odete. Minhas razões são muito mais prosaicas do que isso. Eu preciso de dinheiro"
GENTE, não sei se toca a vocês como tocou a mim, mas percebam a magnitude e engenhosidade braguiana: Cesar poderia enrolar, contar uma história triste ou fazer caras e bocas. Poderia ser o canalha típico que resolve todas as questões com o mesmo palavreado vulgar, mas não, ele é requintado, bem educado e ao contrário do filho de Odete, nunca altera o tom de voz. Pedir dinheiro usando a expressão "prosaico"? Cesar também não é para principiantes.
Eu e um amigo, desde que começamos a assistir Vale tudo, toda vez que nos enxergamos neuróticos por questões amorosas, evocamos a personagem mais chata da trama: Heleninha Roitman (Renata Sorrah com muita vodka). Despenteada, enjoada e melosa, sofisticada a toa mesmo, faz com que nós tenhamos pavor de nos parecer com ela. Sem Odete ela não teria tido competência para tirar Ivan (o Antônio Fagundes mais bonito de todos os tempos) da mocinha Raquel.
Ivan se mostra corruptivel durante quase toda a novela, Raquel não. Ela é a mãe que vai atrás da filha pródiga, é cozinheira que vende sanduiche na praia embalada por Catenao Veloso cantando "Brasileirinho", é mulher que grita, se descabela e fala mais do que deve. Ela e Heleninha são a cruz e a espada de um homem comum, desses que quer ganhar bem pra levar o filho à Disney. Também tenho medo de ser como a Raquel, mas no fundo gosto dela.
Há ainda muitos personagens marcantes, o ex-marido da Helena e aliado de Odete Roitman na empresa TCA, Marco Aurélio (Reginaldo Faria ou Jesse Valadão?), que hora é lobo na pele de cordeiro, hora é um homem fofo igual ao pai da sua amiga que buscava vocês de madrugada nas festinhas de 15 anos do segundo grau. Tem a Leila (Cássia Kiss gostosa), ex-mulher do Ivan, que é mulher normal, na melhor das definições, e que como todas nós, quer se sentir amparada e amada, por isso se casa com o Marco Aurélio cordeiro, fingindo que nem sabe que existe lobo.
Tem a Aldeíde (Lilia Cabral sem chapinha), mulher alta de voz fina e olhos enormes, que é tão sem vergonha que causa inveja na melhor amiga Consuelo (Rosane Goffman sempre tijucana), secretária quarentona daquelas que morrem de vontade de se meterem numa baixaria, mas são principiantes e covardes.
Tem a Iris (Cristina Galvão subestimada), que é secretária junto com a Consuelo, mocinha de Irajá que mora com a avó e é eficiente no trabalho, mas travada em tudo. Iris é como a maioria das mulheres brasileiras que não encontra o homem dos sonhos e têm que se conformar com a realidade. Antes mal acompanhada do que só. Ela conquista o coração do Poliana (Pedro Paulo Rangel impecável), homem bom e sem jeito, coadjuvante primordial da trama.
E tem o Brasil, que naquela época era um projeto de Democracia em crise constante, cheio de gente de bem e de vigaristas, mas que ainda não tinha descoberto o câncer do políticamente correto e que por isso, pode ser o cenário desse espetáculo todo.

4 comentários:

  1. Adorei o post! Qdo a Aldeíde fica rica é maravilhoso. As suas descrições dos personagens foi mto criativa. Vc tem de fazer um outro post desses sobre o último capítulo da novela, que pra mim parece coisas de Charles Dickens. Vale Tudo é a vida. Bjs!

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  2. Sua bandida, eu estive presente em conversas que geraram várias dessas conclusões, e não levo nem um creditozinho, ao contrário do amigo - hunf!

    Mas também acho que um dos principais personagens de Vale Tudo é a ausência do politicamente correto e insisto, quem bota banca de que novela é uma merda, lamento, só está perdendo grandes oportunidades momentâneas de ser feliz.

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  3. O que tá matando o mundo vagarosamente é o politicamente correto.

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