quinta-feira, 26 de maio de 2011

A Tijuca e os Anos dourados.

Nenhum lugar do mundo é mais conservador do que a Tijuca. Esses dias eu estava atravessando a Praça Sães Peña, coração ensolarado do meu bairro amado, quando vi um carinha rock'n roll que eu sempre encontro no metrô. A gente se olhou e passou direto. Pensei que como eu, ele também é um sobrevivente. Não é fácil.
Tenho assistido "Anos dourados" na reprise do Viva e penso que meu bairro conflitante é, de fato, o cenário perfeito pra essa sutil minissérie. Gilberto Braga, o Machado de Assis da minha existência atual, morou em Vila Isabel e certamente entende da hipocrisia que se perpetua por aqui desde sempre. Nunca fomos avant garde.
Nessa histórinha de 20 capítulos filmada em 1986, mas que se passa na década de 1950, é contado o drama de Lurdinha, estudante do Instituto de Educação e aluna da Aliança Francesa, filha da dona de casa Celeste e do médico Carneiro. Ela se apaixona por Marcos, aluno do Colégio Militar e filho da caixa de boate Glória. O amor é proibido pela família tradicional da moça, mas aos poucos as máscaras caem e os dois têm o final feliz que merecem.
Anos dourados é uma critica ao som de bossa nova ao conservadorismo atemporal que existe em todas as sociedades, mas que por aqui é bastante acentuado. Em um diálogo, Lurdinha diz a mãe de uma amiga que sua mãe nunca tomou banho depois do almoço porque sua avó dizia que matava. Sua avó também nunca o fez porque sua tataravó ensinava o mesmo e assim por diante. Ela se pergunta por que, nenhuma vez, qualquer uma delas não questionou a crença sem sentido e diz que não quer ser como elas, que quer experimentar a vida. A mãe da amiga, professora de Geografia modernosa, que ia ao cinema ver Fellini, diz que pode garantir que tomar banho depois do almoço não mata ninguém. Lurdinha fala isso tudo porque questiona o tabu do sexo antes do casamento e percebe que não será menos respeitada se transar sem ser esposa.
Assisti a esse capítulo específico numa sexta feira a noite da qual eu esperava todas as aleluias possíveis e que estava sendo terminada em casa, só com a televisão e biscoitos. Posso dizer que valeu a pena, embora não tenha sido uma escolha, mas sim uma contingência do atual momento de solidão inabalável.
Recentemente sai com um menino que pensa que é homem. Ele morou na Tijuca quando era criança e me disse mais de uma vez que gostava daqui, sentia familiaridade, mas jamais voltaria pra cá. Não gostei de ouvir isso. Só eu posso falar mal daqui, eu e o Gilberto Braga, os outros, menos sensiveis e competentes, esses não.

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