sábado, 19 de fevereiro de 2011

As angustias da professorinha.

Me tornei professora do estado em agosto do ano passado. Entrei na escola que trabalho, substituindo uma professora de História que se tornou coordenadora pedagógica e que hoje é diretora adjunta. Herdei as turmas dela, que eram dois oitavos anos (sétima série do nosso tempo), um nono, um primeiro e um segundo ano do Ensino Médio.
Dar aula para o Ensino Médio é um sossego pra mim. Consigo estabelecer diálogos inteligentes com eles, me sinto compreendida e, por mais que haja bagunça, e há, nunca me senti desrespeitada. No estado e na escola particular em que dou aula, até agora me sinto no céu quando estou no Ensino Médio.
Acontece que as duas sétimas séries do ano passado eram O CÃO CHUPANDO MANGA. Hardcore na veia mesmo! Todo mundo conversa o tempo todo, as meninas se penteiam, cochicham, debocham e eventualmente gritam. Os meninos, ainda pequenos, jogam infinitas bolinhas de papel uns nos outros, riem, se agridem e levantam o tempo todo da cadeira. Ambos os sexos pedem para beber água o tempo inteiro. Em comum têm muito pouco. As meninas, já interessadas pelos alunos mais velhos, não economizam no creme de modelar o cabelo e nas diversas tonalidades de tinta loura e sombra. Usam calças apertadíssimas e, muitas fazem o que podem para mostrar a barriga levantando a blusa do uniforme, que graças aos desenhos a caneta, vê-se que é usada por dias e dias sem ser lavada.
Ensinar Revolução Francesa pra essa gente é impossível. Eles mal sabem o que é América, pensam que a Dilma é esposa do Lula e têm dificuldades sérias pra escrever mais de 3 linhas. São raras as excessões. Penei até dezembro do ano passado, passei pelo Napoleão, tentei enfiar a Carlota Joaquina na cabeça deles contando todos os rumores de infidelidade que a envolvem e consegui pouco sucesso. Na época da eleição presidencial uma aluna evangélica pediu a mim pra dar um aviso a turma e começou a dizer que era pra todo mundo avisar aos pais pra que eles não votassem na Dilma porque ela tinha pacto com o demônio. Mandei ela parar na hora, ela chorou e foi uma merda!
Acabei o ano esgotada dessas turmas, de uma delas em especial, a da aluna evangélica. Se eu pudesse nunca mais daria aula pra eles. Só que eu nada posso por enquanto. Começou o ano e lá estavam eles, no nono ano, meus alunos outra vez.
Faz só duas semanas que as aulas começaram. Estive com eles, portanto, em apenas 4 dias. Os 4 foram in-su-por-tá-veis. Na última segunda feira briguei com eles, botei dois pra fora de sala, perguntei o que queriam da vida, etc. Toda aquela ladainha infernal que eu ouvi quando era aluna e reproduzo hoje (que dor).
Ontem quando cheguei na sala deles, depois de 4 tempos em outras turmas (sendo uma delas quinta série que dá trabalho em dobro), eles continuavam terríveis.
Comecei o esporro de um jeito diferente. Falei que eles não sabem escrever, que eu dou provas facílimas e mesmo assim eles não vão bem, que um dia os pais deles vão morrer e aí, quem vai sustentar? Não querem nada, não me respeitam e blá blá blá. Alguns alunos repetentes chiaram dizendo que se sentiram humilhados por eu ter dito que eles não sabiam escrever. Continuei a bronca e, enquanto isso, uma menina ria debochada com a colega do lado. Perguntei a ela o que ela pensava que aquele lugar é. Ela respondeu que é uma escola. Eu disse que da forma como ela se comporta parece que aquilo é um baile. Ela gritou e falou que eu estava chamando ela de piranha e dizendo que ela roda bolsinha no baile. Eu naquele momento pensei: Meu Deus, quanto Luis Felipe de Alencastro eu caminhei pra chegar até aqui e aguentar essa filha da puta! Respondi a ela que pra mim quem vai a baile não é piranha e que eu não tinha dito aquilo, mas que naquele momento, comigo, ela estava agindo sim, com a mesma vulgaridade de quem roda bolsinha na rua. Me descontrolei, comecei a chorar, chamei as diretoras e quis morrer. Vieram os meus alunos de outras turmas, principalmente do Ensino Médio, me abraçar. Os professores, a servente, todo mundo veio me apoiar no momento difícil. A aluna gritou comigo, disse que ia me processar, fazer um abaixo-assinado, que não ia ficar barato e ela ia me tirar daquela escola. Eu, imatura, ainda respondi a ela que estou ali porque passei num concurso, que se não desse aula naquela escola, daria em outra, mas sem emprego não ficaria.
Depois, com as diretoras em sala de aula, fui conversar sozinha com ela, nós duas chorando, duas crianças. Ela pediu desculpas, eu também, mas nenhuma das duas parou de chorar.
Minha vontade é de nunca mais voltar aquela turma, ficar dando minhas pérolas aqueles porcos pra que? Sair da Tijuca pra ir a Seropédica dar aula pra uma turma que não quer ter aula pra que? O que me faz continuar são duas coisas: Uma é que eu sou uma boa professora, sou muito querida até, esse foi um caso isolado. E o outro é que eu preciso de dinheiro.
A educação brasileira é problemática sim, mas nesse caso, o problema envolve menos a classe social dessa menina, que nem é pobre aliás, e mais a irreverência típica dos adolescentes. Não vou reproduzir aqui aquele discurso chato de que nada tem jeito, eu não sou assim. Acredito nas mudanças. Acredito em mim como agente dessas mudanças. Mas ontem não houve talento nem coração que me ajudassem.

6 comentários:

  1. Respeito muito vocês professores que ser arriscam, se estressam, quase se matam pra tentar passar um pouco de conhecimento pra alunos que, naquele momento, talvez estivessem mais interessados na sua falta.

    Pelo estresse, pelo risco, pela apurrinhação, pela coragem, pelo perigo, respeito mais vocês do que, sei lá, quem pula de para-quedas, bungee jumping ou qualquer outro esporte dito radical.

    Nesses, o momento em que você fica sem chão, em risco, dura minutos. Na sala de aula, pelo menos um ano.

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  2. Acho que o pior de ser professora é, realmente, perceber que a gente repete toda a ladainha que nossos professores falavam na época do colégio e a gente fechava os ouvidos e pensava "De novo esse papo, pqp".

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  3. Eu me sinto caretésima repetindo esse discurso de professora chata... mas alguém tem que fazer isso! Muitas vezes (na maioria das vezes) não têm limites em casa, porque os pais desistiram. Eu não tolero desrespeito, e sou conhecida pelos meus sermões extremamente cruéis. Já chorei muito em sala de aula, agora, não mais. A gente fica cascuda depois de um tempo! Mas acredito firmemente na importância do professor pra melhorar a sociedade. Sorte pra nós!

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  4. É, amiga, te admiro muito e sei o que vc sente. Já passei por situações semelhantes, é brabo. Só tente nunca levar para o lado pessoal, responder a altura, é isso o que eles querem, não sei se é coisa da idade ou má índole mesmo. Eles nos testam o tempo todo. Vc já tem uma grande coisa a seu favor que é o fato de eles gostarem de vc. Se o aluno sente que o professor está ali contra a vontade, que queria estar em outro trabalho, ou cansado, já era! Mas vc não deve se curvar, desrespeitou, vai para a secretaria! exija providências, chamar a família, etc. Geralmente não dá em nada, mas temos que perturbar. Em um colégio que dou aula, uma colega de História foi demitida pois teria chamado uma aluna de favelada. De repente nem foi assim, mas uma palavra colocada de forma errada pode dar merda! Se quiser falar algo mais forte, generalize, nunca dirija a um aluno. Mas não deixe chegar a este ponto. O que aconteceu com vc acontece direto. Não se martirize, vc é ótima profissional. Tente ser "amiga" dos alunos e boa sorte! beijão!!! Gegê

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  5. Queria Cecília. Foi muito tocante esse seu relato. Você é uma pessoa linda demais. Com toda a minha admiração. Henrique.

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  6. Amiga, essa é realmente uma situaçao em que, tentando me por no seu lugar, eu faria exatamente o mesmo. Quando na Faculdade de Educaçao passaram o filme "entre os muros da escola" e eu compreendi e fiquei do lado do professor, muita gente me reprimiu, mas porque muita gente nao tem ideia de como essas crianças estao extremamente abusadas e sem respeito por ninguém. Eu acho muito dificil a gente alem de fazer o papel de educador, ter que passar respeito a autoridade e bom comportamento pras crianças hoje em dia! Mas seja forte e se apoie principalmente nessas turmas que te admiram! Força!
    te amo, minha querida

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