quinta-feira, 27 de maio de 2010

América de veias abertas.

"Olhos azuis" é um desses filmes que surpreende justamente por não esconder o final. Da mesma forma que todos sabem como termina a história de Jesus e, no entanto, qualquer nova versão rende bilheteria, aqui também a graça está no passar dos minutos.
O filme nos confronta com verdades e mentiras dolorosas sobre a América que não descobrimos. Nossa ferida de subdesenvolvimento se abre quando ouvimos o inglês com mel dos nordestinos Nonato e Beatriz. Nos enchemos de orgulho por el corazon latinoamericano , mas nos envergonhamos da nossa ausência de nós mesmos.
Somos um continente partido. Não queremos ser culpados, odiamos quem nos rouba tudo o que o nosso suor construiu. Sonhamos com praias tropicais e neve de verdade. Sofremos com enchentes aqui e lá. Não falamos a mesma língua, mas compartilhamos o arroz e feijão de cada dia. O Mc Donald's de cada dia. Democratizamos a solidão e temos o corpo cheio de estrelas. Nessa terra olhos azuis não movem moinhos.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

No elevador.

Tenho mania de falar sozinha no elevador. Me olho no espelho e imagino diálogos amorosos definitivos, beijos catárticos, sim, não e talvez. No elevador é bom ficar sozinho. Dá pra pensar alto, arrumar a calcinha, dançar a última música antes da chegada ao destino final ou só aproveitar o silêncio. Há algum tempo foram colocadas câmeras nos elevadores de edifícios comerciais. Me sinto tolida por elas, mas compreendo que são necessárias. Meu refúgio exclusivo se tornou o elevador do meu prédio. Moro num edifício antigo, que tem oito andares e dois apartamentos por andar. O elevador social só funciona a noite e como no de serviço não há espelho, a brincadeira lá tem pouca graça. Já cansei de chorar no elevador. Já cansei de rir no elevador. O espelho do elevador é o meu Freud particular, antigo, com cada manchinha previsível, sou eu do outro lado. Hoje de manhã percebi que não estava mais sozinha. Agora no meu elevador também tem câmera. Terão fim os meus acertos de contas ou eu deixarei meus porteiros acharem que sou maluca? Consertar o sutian não dá. E se um dia, porventura, eu estiver com o homem da minha vida? E se for o homem de terno que eu sempre fantasiei? E se for só um homem qualquer pra quem eu sinta necessidade de tirar a roupa? Os devaneios do elevador parado que resolvem conflitos de anos não têm mais lugar.
Essa vida moderna é terrível.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Vinte e nove pretenções e a conta.

Se eu pudesse escolher teria sido escorpiana, flamenguista, aluna do Pedro II e atriz de cinema. Meu cabelo seria igual ao da minha amiga Karina, da sétima série e eu já teria viajado pelo mundo de mochila com amigos.
Se eu pudesse usaria vestido de noiva, saberia Dostoiévski de cor e circularia pela high society acompanhada pelo Matheus Nachtergaele.
Viveria affairs futivos com as personalidades alternátivas do momento (Luis Fernando Carvalho seria o mais importante deles) e conseguiria materializar pelo menos a metade das minhas grandes paixões.
Se eu pudesse teria transado na escada e tiraria fotos de biquini ao lado do meu mais recente romance de verão.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Biscoitos e beijos.

Hoje de tarde no trabalho eu estava com muita vontade de comer biscoito maizena. Falei isso alto e a menina do meu lado disse:
-Eu tenho biscoito maizena. - E tirou um pacotinho da mochila.
Aí eu fiquei muito feliz e falei que comer uma coisa que você está com muita vontade na hora que a vontade vem, é quase como beijar alguém que a gente é muito afim.
O menino do meu lado disse:
-Acho que eu não sei como é isso.
Minha resposta foi que eu sei muito pouco.
E fomos os três comer biscoito maizena.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Noah.

Em uma das turmas em que eu fui licencianda no CAP da UFRJ em 2008 tinha um menino chamado Noah. Ele era muito bonito, simpático e flamenguista. Estava no segundo ano quando eu fiz a minha regência.
Em 2008 o Noah namorava uma menina chamada Marília. Ela era baixinha e vascaína. Eles eram apaixonados.
Eu sempre corrigia as provas deles, me lembro da letra dos dois, a dele agarranchada e a dela muito bonita. Ele não enrolava nas respostas, ela em compensação, abusava das linhas estreitas com suas vogais redondinhas.
O Noah ia para o CAP, que é na Lagoa, de bicicleta. A Marilia pegava o mesmo ônibus que eu, 409, mas entrava no Rio Comprido, no primeiro ponto da Paulo de Frontin. O sobrenome dele é Shünermann (assim, com trema), o dela é Jordão. Os dois eram populares, alegres e cheios de amigos. Eu raramente falava com eles, mas prestava atenção de longe. Eu gostava deles.
Hoje, voltando do trabalho, vi o Noah no metrô indo para o jogo do Flamengo. Ele estava de mãos dadas com uma menina que não era a Marília. Tive vontade de chorar. Cheguei a ter que segurar as lágrimas.
Fiquei pensando no quanto, na idade do Noah, a vida muda rápido. Ele agora, provavelmente, está na faculdade, faz outras coisas e sai com outra menina. Na minha memória o Noah vai ser sempre o namorado da Marília porque eu só convivi com eles durante o tempo em que estavam juntos.
Pensei no quanto, apesar de ter apenas sete anos a mais do que eles, na minha idade os amores são estáticos.
Hoje eu queria ter falado com o Noah. Tenho um enorme carinho por ele e por todos os alunos do CAP com quem eu convivi. Foi uma época muito feliz. Escola é um lugar feliz. Pra eles, nós, licenciandos, estávamos ali todo ano. Pra mim, eles foram únicos. Eu não tinha o que falar com ele e acabei passando direto, me faltou tato.
Ele mora no meu coração.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Colando os cacos.

Maio ainda não está no final, como na música do Kid Abelha, but i need to tell you what's new. Todo dia 31 de dezembro, meia noite ao som dos fogos, eu me pergunto se o ano que vem será o melhor da minha vida.
Esse ano começou sem prometer nenhum explendor. Em janeiro as dores de amor não passaram, em fevereiro eu tive poucos amigos e em março fiquei sem emprego. Tragédia armada, decidi entrar na academia. Não me restava nada a não ser emagrecer.
Em abril recebi uma proposta de emprego vergonhosa que subestimava a minha inteligência e o meu bom senso. Disse um sonoro NÃO e continuei indo a academia. Entre lágrimas, medos e lamentos, fui todos os dias a academia.
Encontrei num sábado a noite, na rua, assim passando, o tal homem de quem eu gosto tanto. Podia ter sido um encontro cordial e agradável, mas eu fiz com que fosse uma discussão cheia de palavras feias. Saí aliviada. Amenidades não resolveriam nada pra mim. Não me importo de ter saído humilhada, nem de ter sido tratada como louca. Eu precisava falar aquilo tudo.
Na semana passada chegou um e-mail de um amigo que tentava explicar o que não tem explicação. Deixei ele ir. Não me pertence mais.
Maio começou com uma nova oportunidade e escolhas a serem feitas. Estou me sentindo valorizada e feliz. É lógico que a saudade as vezes aparece. Gosto de me lembrar da Sulamerica Paradiso tocando na sala que eu trabalhava antes, das ligações apaixonadas repentinas e das longas conversas cheias de resoluções com o amigo perdido. Isso quer dizer que valeu a pena.
Vou continuar indo a academia, está funcionando.