quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O cenário atual.

Parte 1
Desde que nós viemos morar nesse apartamento, havia um vazamento no banheiro do quarto de mamãe. Quando eu tinha 12 anos o gesso caiu. Fizemos obra, a casa ficou cheia de homens por mais de um mês, aquele inferno, mas na época tinhamos empregada e eramos pequenas, o que facilitava bastante as coisas. Hoje, muitos anos depois, aconteceu a mesma coisa. Mamãe ligou pra vizinha de cima, Dona Neli, uma fofurinha, e ela cagou na cabeça da gente com toda a delicadeza.

Parte 2
Mamãe não vai as reuniões de condomínio faz tempo. Soubemos que nosso porteiro favorito tinha sido demitido para cortar gastos quando descemos e na hora de dar "Bom dia" tinha outro no lugar dele. Nosso sindico é um homem bom, daqueles fofos mesmo, mas que nessa de cortar gastos, só faz merda. Soubemos, por comunicados enviados a nossa casa, que o edifício inteiro entraria em obra para trocar as colunas hidraulicas, já que nos andares baixos a água saía muito fraca em razão do entupimento dos canos antigos. Chegaram aqui alguns pedreiros, quebraram algumas partes da sala, da cozinha e da área de serviço, dos dois banheiros e do corredor. Só sobraram os quartos. Começaram a haver vazamentos repentinos, a casa alagou mais de uma vez e a poeira passou a ser uma constante. Não sendo desconforto suficiente, nosso prédio agora vive sem água. Tomar banho de balde se tornou uma prática com a qual já nos habituamos. Quando mamãe percebeu que a empresa contratada pelo condomínio, não sabe o que está fazendo, deu alguns gritos com o chefe da obra e explicou a situação ao síndico, que de forma educadíssima, disse a ela que não há dinheiro suficiente para que se contrate trabalhadores mais bem preparados. Isso porque moramos numa rua boa da Tijuca e nossos vizinhos são velhinhos bem aposentados.

Parte 3
Mamãe contratou um pedreiro para reformar o banheiro destruído do quarto dela. É um senhor bonzinho que trabalha junto com a esposa. Começaram essa semana. Jogaram tudo em baixo. Eu estava em São Paulo brincando de casinha e quando cheguei, vi que tinha poeira até dentro das gavetas. O bate estaca faz com que a confecção do projeto de mestrado seja ainda mais dolorosa, se é que isso é possível, e nossa cachorra está mais encardida que o Sansão da Turma da Mônica.
Hoje, então, a situação degringolou. Faltou água nas torneiras, vazou água no banheiro em obra, o pedreiro da minha mãe se desentendeu com o pedreiro do prédio e eu, que tentava entender o que Derrida fala sobre o perdão, decidi fazer xixi no Shoping Tijuca para desanuviar.
(Não tenho dinheiro pra ir muito além do Shoping Tijuca, a vida está difícil e no fim do mês a coisa piora). Soube depois que o pedreiro da minha mãe tentou estorqui-la. Só Jesus.

Parte 4
Há dois anos mamãe comprou um apartamento na Barra e fez obras nele inteiro. Lá também tem um vazamento permanente e os vizinhos são igualmente pão duros e gente boa. Os pedreiros deram calotes horríveis e o estresse só não foi maior porque moramos aqui. Se eu fosse ela, vendia. Mas acontece que ela se apegou a porra do apartamento e com esse caos aqui, resolveu que quer ir morar lá. Eu e minha irmã se quisermos continuar na Tijuca, teremos que nos sustentar e aguentar esse inferno sem fim. A coisa por aqui está deveras periclitante, a ponto de nem água potável ter mais. A Barra é longe de tudo o que eu entendo por meu.  Ganho bem no total, mas fiz dívidas demais e o montante que me resta efetivamente não permite que eu more sozinha.
Tenho pena da minha mãe que está cansada de ser dentista, muito mais do que eu estou de ser professora e de ter que ler todos esses autores cujas caras nem sei como são. Me sinto mal em vê-la sozinha diante dessa lama. Um relacionamento faz falta nessas horas.
Não quero ir morar na Barra, queria era morar sozinha e ter dinheiro. Não aguento mais vazamentos, pedreiros e bagunça. Tenho medo de ficar sem casa. Lá em São Paulo é legal, mas não é a minha casa. Preciso construir as minhas próprias referências e ser livre. Não é fácil.

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