sexta-feira, 24 de setembro de 2010

Engarrafamento compartilhado.

Hoje teve Festa da Primavera na escola estadual onde eu dou aula, que fica em Seropédica. Pra chegar lá eu pego duas conduções, sendo que uma delas custa o dobro da tarifa normal. Demoro uma hora e meia para ir e duas horas para voltar. Tive muita preguiça de sair de casa hoje, mas fui.
Seropédica é um lugar peculiar. Lá se misturam poeira e funk. Não existe adequação. As meninas fazem escova por qualquer razão, a diretora da escola usa vestidos curtos, e hoje, como era um dia especial, os sapatos altos se multiplicavam pelo chão de terra batida.
Fiquei por pouco tempo vendendo canjica na barraca dos professores. Vim embora assim que pude.
Esperei muito tempo pelo ônibus parador que me deixa na Central. Quando ele apareceu estava lotado. Fui em pé. Em um determinado ponto do caminho o trânsito parou de andar. Fiquei nervosa, minha perna doeu, senti raiva das pessoas que estavam sentadas reclamando e comecei a chorar quietinha na frente de todo mundo. Segurava as lágrimas, mas elas vinham tão fortes que não houve jeito de disfarçar.
Foi então que mandei uma mensagem para o Mauricio, meu grande amigo.
Eu e o Mauricio estagiamos juntos por menos de um ano. Estudamos na mesma universidade, compartilhamos gostos, sonhos, romântismo e angustias. Fizemos esse concurso juntos. Ele foi aprovado seis meses antes de mim. Por pouco não fui dar aula na mesma escola que ele. Nós dois nos deslocamos pra longe, sem saber muito bem porquê, focando em realizações tangentes a dura realidade da educação pública brasileira. Assim que o Mauricio me respondeu a mensagem, eu olhei para o ônibus ao lado do meu e procurei por ele, descrente de que fosse encontrá-lo.
Acontece que Deus não queria que eu desistisse.
Acontece que eu tinha que parar de chorar.
E lá estava o Mauricio, meu doce amigo tão querido, ao meu lado, no engarrafamento.
Chamei por ele e nós dois começamos a rir contentes e satisfeitos.
Sou feliz por ter o Mauricio comigo, por fazer parte da vida dele e ele da minha, por conhecer o coração inocente que a ele pertence e por me reconhecer nele tantas vezes.
A viagem parou de doer depois do encontro. Vim pra casa mais feliz.

5 comentários:

  1. Eu gosto tanto do seu blog. As vezes silenciosamente passeio por ele. Esse post me fez lembrar q de vez em quando me pego chorando olhando a paisagem pela janela...

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  2. É dura a vida da bailarina, mas quando ela está no palco é alegria da sua e de nossas vidas

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  3. Que homenagem ao Maurício hein!!!rsrsrs. Ele merece!!!

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  4. Querida, eu não sofro com engarrafamentos porque dou aula do lado da minha casa. Entretanto, em vários momentos já pensei em desistir. Sério, mesmo!
    Tem dias em que me pegunto seriamente porque estou ali. A minha luta por encontrar um pouco de prazer naquilo que faço é diária e se alimenta de elogios muito raros, de uma conversa amigável, quase impossível, de uma pontinha de reconhecimento que (quase) nunca vem.
    Ser professor no município do Rio de Janeiro é ser desrespeitado diariamente. É sair de toda e qualquer aula achando que todo e qualquer esforço é em vão. Os alunos simplesmente te boicotam. O professor têm a sensação de estar sempre atrapalhando algo: a conversa urgente no corredor, a brincadeira no meio da aula, o recreio efêmero, a hora da saída custosa.
    Acredito que todos nós saímos da universidade movidos pelos mais belos clichês de que a educação pode mudar o país, de que o professor pode mudar a realidade. Mas nenhum clichê e nenhuma boa vontade resiste a meia hora de desrespeito dentro de sala. A sensação nunca dantes experimentada de ser tratada como cachorro é indescritível e faz o mais forte dos fortes pensar em desistir.
    E olha que minha escola pode ser considerada tranquila dentro da rede.
    O que me consola é o que você disse: "Deus não quer que eu desista." Creio que um dia vou me lembrar disso e me sentir uma pessoa melhor por não ter desistido. Nós vamos.

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  5. Bem vinda ao mundo dos engarrafamentos e das viagens demoradas!

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