domingo, 23 de março de 2014

Descomemoração

Ontem uma amiga me perguntou se eu pretendo ir a algum dos eventos de "descomemoração" do Golpe de 1964. Achei interessante ser, pela primeira vez, a última a saber sobre essa agenda e essa nova forma de denominar o aniversário de 50 anos da ditadura. Quase um ano e meio depois, posso dizer que me habituei ao ostracismo. É como se eu nunca tivesse pertencido ao grupo de pessoas que frequentam esse tipo de situação. Fiquei pensando que essa expressão diz muito não só sobre a forma de pensar esses eventos, mas também sobre o meu passado.
Decidi então escrever aqui, nesse espaço que abandonei por medo de me expor aos urubus que adoram ser expectadores da minha tragédia, um registro sobre isso:

Eu descomemoro junto com eles
Descomemoro as longas e dolorosas exposições sobre um período escuro da nossa história
Da minha História
Descomemoro o ressentimento
Os perdões não ditos
E o rompimento de todas as trajetórias finalizadas antes da hora
Eu descomemoro a arrogância
A utopia
E o descaso com as circunstâncias
Descomemoro todos os dias os lugares onde não se pode ir mais
Os lugares que poderiam e deveriam ser nobres, mas que se mantém austeros sobre saltos de cristal frágeis
O amor e a sabedoria desperdiçados
Eu descomemoro o silêncio
E as tantas pedras atiradas 
Descomemoro o meu renascimento atravancado
As mãos e compaixões lavadas.
Eu os descomemoro 
E os percebo muito parecidos com aqueles que são descomemorados por eles
Eu me descomemoro 
Mas espero que essa tristeza chegue ao fim. 

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