quinta-feira, 3 de abril de 2014

Ontem o professor de Filosofia social e política I, que me dá aula de nove as dez e quarenta, passou a "seção", como ele diz, inteira discutindo uma frase da "República" de Platão que diz assim: "Ser vítima de uma injustiça é um mal maior do que o bem que há em cometê-la". Eu estava muito cansada. Saí de casa as seis e meia da manhã, peguei o 247 até a Presidente Vargas, andei até a rodoviária xexelenta que fica atrás da Central, peguei o ônibus pra Queimados, saltei na Dutra, atravessei a passarela e cheguei na escola. Dei aula a manhã inteira. De tarde teve reunião. Saí de lá as cinco. Fui direto para a UERJ. Dessa vez peguei uma carona até a Pavuna e o metrô até o Maracanã. Fui tentando ler o capítulo 7 do livro 1 da Ética a Nicômaco, mas volta e meia tinha que parar porque havia muitos torcedores do Botafogo indo para o jogo e fazendo bagunça. Assisti aula de Introdução a Filosofia as seis. A professora falou que para ser filósofo deve-se lembrar do Guimarães Rosa: "Estar a toa muito ativo". Pensei: "Oh, how i wish..." Na segunda aula, de Ética, passamos muito tempo discutindo o sumo bem, o bem final e todos os bens complementares. A riqueza para Aristóteles não é um bem. Interessante. É nessa aula que eu sempre sinto mais saudade do IFCS. Ontem cheguei a parodiar a Clarice Lispector: "Saudade é pouco, o que eu sinto ainda não tem nome". E aí veio a última aula e essa dissecação extensa da sentença platônica. Peguei o elevador pra descer e, no hall do primeiro andar, vi minha ex-orientadora do IFCS, que estava lá, certamente, por causa dos eventos de descomemoração dos 50 anos do golpe de 64. As nossas reações nesses momentos são involuntárias, é como um assalto que a gente nunca sabe se vai reagir. No ano passado, quando eu estava desmoralizadíssima, a vi algumas vezes no cinema. Em todas fingi que não vi por vergonha. Ontem, na fração de segundo em que passei por ela eu a olhei e cumprimentei. E não abaixei a cabeça. Saí da UERJ, atravessei a rua, peguei o 247 e fiquei um tempão parada no engarrafamento, causado pelo jogo do Botafogo. Cheguei em casa as onze e dez. Tomei banho e jantei algumas colheres do brigadeiro que a minha amiga que mora comigo havia feito. Não resisti, estava uma delícia. Ficamos conversando, assisti "Água viva" e fui dormir. Hoje acordei as seis e meia. Estou indo novamente para Nova Iguaçu, novamente dar aula o dia inteiro. Eu tenho toda a dignidade do mundo e tenho muitas dúvidas (a dúvida é o preço da pureza, já diriam os Engenheiros do Hawai) se essas pessoas vaidosas que me jogaram no ostracismo, tendo as suas merdas expostas, vendo a sua tragédia pessoal virar fofoquinha de festa de sábado a noite, teriam a força que eu tenho. Voltar para a graduação, desde o momento em que se paga pelo vestibular e se passa o domingo fazendo a prova, até assistir aula depois de trabalhar o dia inteiro, é um sinal de humildade e de vontade de acertar. Esses grandes homens que me condenaram nunca tentaram me ouvir de verdade, foram movidos por paixões e acabaram por ser injustos. Era mais fácil nunca mais saber de mim e não me ver saindo de outra universidade as dez da noite. A saudade que eu sinto é como a de uma pessoa que morreu, mas fui eu que morri.  E sou eu que estou viva, mais do que nunca. Merda todo mundo tem. Estou viva.

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